Ainda falando sobre leitura, a prefeitura de Belo Horizonte junto com algumas empresas de transporte coletivo da cidade, implantaram o projeto LEITURA PARA TODOS em que algumas linhas de ônibus circulam com textos - sejam crônicas, contos ou poesias - plastificadas o que proporciona aos usuários do transporte coletivo poderem ler um texto curto, em prosa ou verso, enquanto estão se locomovendo dentro da cidade.
É um projeto muito louvável e hoje, quando vinha para casa com minha filha, lemos esta crônica do Cony em nosso 'busão' o que ajudou em muito tornar a volta para casa ainda mais especial por este texto ter nos levado a profundas reflexões em relação a condição humana. Por isso, quis dividí-la com vocês, antes que os VAMPIROS a devorem...
"Já me perguntaram e eu mesmo me pergunto qual seria a imagem mais completa e dramática do abandono, da desgraça, da miserabilidade. Respondo aos outros, mas nem sempre tenho coragem de responder a mim: a do cão cego e sem dono. Ou pior: a do cão sem dono e cego.
Deve parecer exagero atribuir a um cão um dos atributos mais comuns à espécie humana. Mas o homem tem sempre uma alternativa, a de acabar com tudo quando nada mais suportar. Já disseram que o único problema que realmente enfrentamos é o suicídio, uma capacidade que os animais não têm, exceto, segundo já me disseram, mas não tenho certeza, o escorpião.
Além de dispor de uma saída radical para a miséria e o abandono, o homem é responsável, até certo ponto, pelo seu destino. Há sempre uma esquina errada que ele dobrou pela vida afora e cujo preço pagará inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde.
O cão sem dono e cego é uma coisa viva e sofredora, sem apelação, pior do que inútil e desgarrado, pior do que desesperado, pois adquire a mansa lucidez de sua tristeza, de seu abandono, e desconfia de que nada possa mudar o seu destino.
À esta altura da crônica, antes que o possível leitor me faça, faço eu mesmo a pergunta: por que estou escrevendo um texto tão triste, tão despropositado e, acima de tudo, tão discutível? Afinal, eu não sou cego, ainda não cheguei ao ponto de me considerar um cão e tenho muitos donos, donos demais. De que estou reclamando? Não sou pago para escrever sobre um assunto que nem merece a condição de assunto. Mas escrito está.
Ontem, esbarrei com um cão sem dono e cego, que mancava de uma das patas, os olhos vazados não me viram, mas ele deve ter sentido o meu cheiro, a minha catinga humana. Vagava sem rumo aqui na Lagoa. Não o trouxe para casa. Quem é mais miserável?"
Deve parecer exagero atribuir a um cão um dos atributos mais comuns à espécie humana. Mas o homem tem sempre uma alternativa, a de acabar com tudo quando nada mais suportar. Já disseram que o único problema que realmente enfrentamos é o suicídio, uma capacidade que os animais não têm, exceto, segundo já me disseram, mas não tenho certeza, o escorpião.
Além de dispor de uma saída radical para a miséria e o abandono, o homem é responsável, até certo ponto, pelo seu destino. Há sempre uma esquina errada que ele dobrou pela vida afora e cujo preço pagará inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde.
O cão sem dono e cego é uma coisa viva e sofredora, sem apelação, pior do que inútil e desgarrado, pior do que desesperado, pois adquire a mansa lucidez de sua tristeza, de seu abandono, e desconfia de que nada possa mudar o seu destino.
À esta altura da crônica, antes que o possível leitor me faça, faço eu mesmo a pergunta: por que estou escrevendo um texto tão triste, tão despropositado e, acima de tudo, tão discutível? Afinal, eu não sou cego, ainda não cheguei ao ponto de me considerar um cão e tenho muitos donos, donos demais. De que estou reclamando? Não sou pago para escrever sobre um assunto que nem merece a condição de assunto. Mas escrito está.
Ontem, esbarrei com um cão sem dono e cego, que mancava de uma das patas, os olhos vazados não me viram, mas ele deve ter sentido o meu cheiro, a minha catinga humana. Vagava sem rumo aqui na Lagoa. Não o trouxe para casa. Quem é mais miserável?"
Folha de São Paulo, 16/10/2003
Carlos Heitor Cony
Tela: Vino Morais
Um poema reflexivo
ResponderExcluirQue nos faz olhar para a própria alma
E identificar quem de fato é o podre
e o vilão.
Muito bom, gostei demais.
Beijos querida!
agradeço tua visita! teu blog é lindo e aconchegante,voltarei ,volte tbm! bjs!
ResponderExcluirque ótimo que implantaram ai ...
ResponderExcluirsó não entendi muito bem como funciona .. é como um jornal, é em papel, plastificado?
Aqui no RS, temos desde o início da década de 90, o projeto, o 'poemas na janela' (ou algo assim), que sorteia autores e coloca adesivos com poemas nas janelas dos coletivos urbanos, mudando-s anualmente ... é uma linda idéia e adoro ler tais poemas ....
beijos querida ...
A narrativa sobre o cão demonstra a realidade do comportamento humano.
ResponderExcluirFilosoficamente nascemos, vivemos e morremos; assim como a Lei da Natureza. Na fase viver, por que não viver da melhor forma possível e com muito amor?
Bela crônica! Verídica!
Lou, obrigado pelo seu comentário e pela sua companhia que muito me faz bem!
Beijos!...
BElisismo seu blog,,,super interessante seu perfil...tambem amo essas montanhas de Minas...prazer em conhecer...beijos de otima semana.
ResponderExcluirem ti me vejo... deva ju?
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