
O escritor dos olhos tristes estava amalgamado à sua escrivaninha neste instante como era seu costume há mais de vinte anos. Acordava logo cedo, fazia sua higiene pessoal, tomava um café bem forte, puro e sem açúcar, corria os olhos nas últimas notícias no jornal fresquinho, ainda quente pelas máquinas de impressão, e debruçava-se sobre o teclado do computador a fim de exercer seu sacerdócio ou sacrilégio. Ou só para não enlouquecer mesmo.
É bom escrever a vida que sonhamos viver. Acender a poesia em nossos escombros e nos daqueles que nos cercam e nos servem de biombo, blindagem para nossas couraças do empobrecimento da alma.
Escrever a insanidade que nos habita e nos rodeia a fim de a mantermos controlada. Mantermo-nos controlados nas camisas de força que nos definem e revelam. Ser humano livre é ser humano morto. Bicho raro. Absolutamente em extinção. Isso se chegou mesmo a existir em algum dia. Pode ser. Talvez os primeiros habitantes do planeta tenham sido livres. Verdadeiramente livres. Mas, assim que nasce a civilização, liberdade passa a ser um conceito abstrato, difuso, obtuso, irremediavelmente condenado a não integralização.
Os olhos do escritor neste dia em especial estavam cansados de tanto enxergar. Atravessar as armaduras sociais e enxergar almas tão aflitas, confusas, desesperadas, loucas para amar e serem amadas. Mas de que adianta enxergar o que ninguém vê se a alma do escritor também não está em equilíbrio. Ao contrário, quanto mais vislumbra o desequilíbrio em sua volta mais absorve essa inquietação e apreensão.
Quem é o escritor dos olhos tão tristes e sorriso terno, meigo, em certa medida até acolhedor? Ali se guarda um cidadão que não quer mais sentir medo. Entre todos os medos possíveis e plausíveis o pior que se pode sentir é o medo de amar. E um pouco pior além do pior é o medo de ser amado.
O amor é um ato de fé, sobretudo. Dizem as más línguas que “milagres só acontecem para quem acredita neles.” E o amor? Será necessário acreditar primeiro para que ele verdadeiramente aconteça? Dúvidas rodeiam a mente do escritor como os corvos de Allan Poe. Aves sombrias e negras que criavam o clima noir do não-amor. O amor, muitas vezes, é a sua própria negação. Negar o amor não deixa de ser amar, só que ao contrário. Sem necessariamente significar ódio ou raiva ao outro, mas simplesmente a recusa do sentimento. Como se a pessoa dissesse: ”não te odeio, mas também não quero te amar.” Por que? Você talvez desejasse saber. “Porque amar dói. Amar implica uma série de contingências que não estou disposto a arcar. Implica entrega, abertura, adaptabilidade aos desejos e quereres de uma outra pessoa e isso requer trabalho. Não estou disposto a ter trabalho. Amar dá trabalho demais.”
O escritor coça a barba, os cabelos que lhe caem na fronte. Busca um suspiro além que os pulmões possam suportar e seus olhos ficam turvos, marejados como uma tarde à beira do cais de qualquer cidade portuária, de qualquer lugar no pais, no Mundo, no submundo também. Pra que escrever sobre o amor? Não seria melhor viver o amor ao invés de escrever sobre ele?
Escrevendo sobre a dificuldade de amar o escritor se redime. Como aquela alma no limbo triste e escuro tenta ajudar outros seres a não irem parar lá. Então o escritor escreve do nono círculo do Inferno na intenção de poder salvar almas. “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.”
“Eu sou poeta e não aprendi a amar.” E provavelmente não aprenderei nunca, pois estou no Inferno e, pasmem, adoro estar aqui, então não quero aprender a me entregar, me envolver, abrir mão do meu ego para acolher outro ser na alma. Não. Isso é piegas! Amar é muito piegas. Isso é coisa de classe média baixa. Essa gentinha é que acredita em amor e não desgruda os olhos da novela global. Eu sou intelectual etc e tal. Não preciso de amor, preciso de leitores, ora bolas!
Mas o que fazer enquanto a maioria dos leitores está em suas casas de mãos dadas aos seus amores, provavelmente assistindo à novela, trocando a fralda do filho, esquentando mamadeiras e sonhos de compartilhar uma vida juntos? O que fazer?! Já sei!!! Talvez escrever mais um texto que enalteça o ego e faça valer o fogo do Inferno.
É bom escrever a vida que sonhamos viver. Acender a poesia em nossos escombros e nos daqueles que nos cercam e nos servem de biombo, blindagem para nossas couraças do empobrecimento da alma.
Escrever a insanidade que nos habita e nos rodeia a fim de a mantermos controlada. Mantermo-nos controlados nas camisas de força que nos definem e revelam. Ser humano livre é ser humano morto. Bicho raro. Absolutamente em extinção. Isso se chegou mesmo a existir em algum dia. Pode ser. Talvez os primeiros habitantes do planeta tenham sido livres. Verdadeiramente livres. Mas, assim que nasce a civilização, liberdade passa a ser um conceito abstrato, difuso, obtuso, irremediavelmente condenado a não integralização.
Os olhos do escritor neste dia em especial estavam cansados de tanto enxergar. Atravessar as armaduras sociais e enxergar almas tão aflitas, confusas, desesperadas, loucas para amar e serem amadas. Mas de que adianta enxergar o que ninguém vê se a alma do escritor também não está em equilíbrio. Ao contrário, quanto mais vislumbra o desequilíbrio em sua volta mais absorve essa inquietação e apreensão.
Quem é o escritor dos olhos tão tristes e sorriso terno, meigo, em certa medida até acolhedor? Ali se guarda um cidadão que não quer mais sentir medo. Entre todos os medos possíveis e plausíveis o pior que se pode sentir é o medo de amar. E um pouco pior além do pior é o medo de ser amado.
O amor é um ato de fé, sobretudo. Dizem as más línguas que “milagres só acontecem para quem acredita neles.” E o amor? Será necessário acreditar primeiro para que ele verdadeiramente aconteça? Dúvidas rodeiam a mente do escritor como os corvos de Allan Poe. Aves sombrias e negras que criavam o clima noir do não-amor. O amor, muitas vezes, é a sua própria negação. Negar o amor não deixa de ser amar, só que ao contrário. Sem necessariamente significar ódio ou raiva ao outro, mas simplesmente a recusa do sentimento. Como se a pessoa dissesse: ”não te odeio, mas também não quero te amar.” Por que? Você talvez desejasse saber. “Porque amar dói. Amar implica uma série de contingências que não estou disposto a arcar. Implica entrega, abertura, adaptabilidade aos desejos e quereres de uma outra pessoa e isso requer trabalho. Não estou disposto a ter trabalho. Amar dá trabalho demais.”
O escritor coça a barba, os cabelos que lhe caem na fronte. Busca um suspiro além que os pulmões possam suportar e seus olhos ficam turvos, marejados como uma tarde à beira do cais de qualquer cidade portuária, de qualquer lugar no pais, no Mundo, no submundo também. Pra que escrever sobre o amor? Não seria melhor viver o amor ao invés de escrever sobre ele?
Escrevendo sobre a dificuldade de amar o escritor se redime. Como aquela alma no limbo triste e escuro tenta ajudar outros seres a não irem parar lá. Então o escritor escreve do nono círculo do Inferno na intenção de poder salvar almas. “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.”
“Eu sou poeta e não aprendi a amar.” E provavelmente não aprenderei nunca, pois estou no Inferno e, pasmem, adoro estar aqui, então não quero aprender a me entregar, me envolver, abrir mão do meu ego para acolher outro ser na alma. Não. Isso é piegas! Amar é muito piegas. Isso é coisa de classe média baixa. Essa gentinha é que acredita em amor e não desgruda os olhos da novela global. Eu sou intelectual etc e tal. Não preciso de amor, preciso de leitores, ora bolas!
Mas o que fazer enquanto a maioria dos leitores está em suas casas de mãos dadas aos seus amores, provavelmente assistindo à novela, trocando a fralda do filho, esquentando mamadeiras e sonhos de compartilhar uma vida juntos? O que fazer?! Já sei!!! Talvez escrever mais um texto que enalteça o ego e faça valer o fogo do Inferno.
Lou Albergaria