" (...)
Cantando amor, os poetas na noite
Repensam a tarefa de pensar o mundo.
E podeis crer que há muito mais vigor
No lirismo aparente
No amante Fazedor da palavra

Do que na mão que esmaga."

Hilda Hilst

Se gostou, volte sempre!!!!

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A ALMA DO POETA COSPE FOGO


O escritor dos olhos tristes estava amalgamado à sua escrivaninha neste instante como era seu costume há mais de vinte anos. Acordava logo cedo, fazia sua higiene pessoal, tomava um café bem forte, puro e sem açúcar, corria os olhos nas últimas notícias no jornal fresquinho, ainda quente pelas máquinas de impressão, e debruçava-se sobre o teclado do computador a fim de exercer seu sacerdócio ou sacrilégio. Ou só para não enlouquecer mesmo.
É bom escrever a vida que sonhamos viver. Acender a poesia em nossos escombros e nos daqueles que nos cercam e nos servem de biombo, blindagem para nossas couraças do empobrecimento da alma.
Escrever a insanidade que nos habita e nos rodeia a fim de a mantermos controlada. Mantermo-nos controlados nas camisas de força que nos definem e revelam. Ser humano livre é ser humano morto. Bicho raro. Absolutamente em extinção. Isso se chegou mesmo a existir em algum dia. Pode ser. Talvez os primeiros habitantes do planeta tenham sido livres. Verdadeiramente livres. Mas, assim que nasce a civilização, liberdade passa a ser um conceito abstrato, difuso, obtuso, irremediavelmente condenado a não integralização.
Os olhos do escritor neste dia em especial estavam cansados de tanto enxergar. Atravessar as armaduras sociais e enxergar almas tão aflitas, confusas, desesperadas, loucas para amar e serem amadas. Mas de que adianta enxergar o que ninguém vê se a alma do escritor também não está em equilíbrio. Ao contrário, quanto mais vislumbra o desequilíbrio em sua volta mais absorve essa inquietação e apreensão.
Quem é o escritor dos olhos tão tristes e sorriso terno, meigo, em certa medida até acolhedor? Ali se guarda um cidadão que não quer mais sentir medo. Entre todos os medos possíveis e plausíveis o pior que se pode sentir é o medo de amar. E um pouco pior além do pior é o medo de ser amado.
O amor é um ato de fé, sobretudo. Dizem as más línguas que “milagres só acontecem para quem acredita neles.” E o amor? Será necessário acreditar primeiro para que ele verdadeiramente aconteça? Dúvidas rodeiam a mente do escritor como os corvos de Allan Poe. Aves sombrias e negras que criavam o clima noir do não-amor. O amor, muitas vezes, é a sua própria negação. Negar o amor não deixa de ser amar, só que ao contrário. Sem necessariamente significar ódio ou raiva ao outro, mas simplesmente a recusa do sentimento. Como se a pessoa dissesse: ”não te odeio, mas também não quero te amar.” Por que? Você talvez desejasse saber. “Porque amar dói. Amar implica uma série de contingências que não estou disposto a arcar. Implica entrega, abertura, adaptabilidade aos desejos e quereres de uma outra pessoa e isso requer trabalho. Não estou disposto a ter trabalho. Amar dá trabalho demais.”
O escritor coça a barba, os cabelos que lhe caem na fronte. Busca um suspiro além que os pulmões possam suportar e seus olhos ficam turvos, marejados como uma tarde à beira do cais de qualquer cidade portuária, de qualquer lugar no pais, no Mundo, no submundo também. Pra que escrever sobre o amor? Não seria melhor viver o amor ao invés de escrever sobre ele?
Escrevendo sobre a dificuldade de amar o escritor se redime. Como aquela alma no limbo triste e escuro tenta ajudar outros seres a não irem parar lá. Então o escritor escreve do nono círculo do Inferno na intenção de poder salvar almas. “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.”
“Eu sou poeta e não aprendi a amar.” E provavelmente não aprenderei nunca, pois estou no Inferno e, pasmem, adoro estar aqui, então não quero aprender a me entregar, me envolver, abrir mão do meu ego para acolher outro ser na alma. Não. Isso é piegas! Amar é muito piegas. Isso é coisa de classe média baixa. Essa gentinha é que acredita em amor e não desgruda os olhos da novela global. Eu sou intelectual etc e tal. Não preciso de amor, preciso de leitores, ora bolas!
Mas o que fazer enquanto a maioria dos leitores está em suas casas de mãos dadas aos seus amores, provavelmente assistindo à novela, trocando a fralda do filho, esquentando mamadeiras e sonhos de compartilhar uma vida juntos? O que fazer?! Já sei!!! Talvez escrever mais um texto que enalteça o ego e faça valer o fogo do Inferno.

Lou Albergaria

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A PALAVRA DA (LOU)CURA


A (lou)cura do poeta
é a letra, imagem , canção
a dor pela palavra torta
velada no sorriso
em que a alma jaz morta
sem gramática
capaz da redenção.
Eu quero a poesia (porra)louca
que ama, peca, açoita
derrama
lágrima, sangue mela
versos profana
ação mundana
(des)humana
Errática
não acho a palavra dada
com cara de tacho
sugada em lábios frouxos
cansados de inventar verdades
A palavra nua
neologismo fora da regra
estética da dialética
Eu invento a palavra que eu preciso saber.
Palavra compactua!
Com
Pacto
Atua
Na mente ferve
Indecente alma
despe e veste
a (lou)cura.

Lou Albergaria


Para Márcio Nicolau com toda admiração!!!
Tela: Vino Morais, Meu artista encantado!

sábado, 25 de setembro de 2010

QUANDO ACABA por ARNALDO JABOR


Recebi esse texto da linda amiga MAR do blog http://desejoseducaoepaixao.blogspot.com/ . É um lindo texto que fala sobre encontros e despedidas...

Obrigada, Mar, pelo carinho de sempre!!!

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Sempre acho que namoro, casamento, romance, tem começo, meio e fim. Como tudo na vida. Detesto quando escuto aquela conversa:
- Ah,terminei o namoro…
- Nossa, estavam juntos há tanto tempo…
- Cinco anos… que pena… acabou…
- É… não deu certo…
Claro que deu! Deu certo durante cinco anos, só que acabou. E o bom da vida, é que você pode ter vários amores. Não acredito em pessoas que se complementam. Acredito em pessoas que se somam.
Às vezes você não consegue nem dar cem por cento de você para você mesmo, como cobrar cem por cento do outro? E não temos essa coisa completa. Às vezes ela é fiel, mas é devagar na cama. Às vezes ele é carinhoso, mas não é fiel. Às vezes ele é atencioso, mas não é trabalhador. Às vezes ela é muito bonita, mas não é sensível. Tudo junto, não vamos encontrar.
Perceba qual o aspecto mais importante para você e invista nele. Pele é um bicho traiçoeiro. Quando você tem pele com alguém, pode ser o papai com mamãe mais básico que é uma delícia.
E às vezes você tem aquele sexo acrobata, mas que não te impressiona…
Acho que o beijo é importante… e se o beijo bate… se joga… se não bate… mais um Martini, por favor… e vá dar uma volta.
Se ele ou ela não te quer mais, não force a barra. O outro tem o direito de não te querer. Não brigue, não ligue, não dê pití. Se a pessoa tá com dúvidas, problema dela, cabe a você esperar… ou não. Existe gente que precisa da ausência para querer a presença.
O ser humano não é absoluto. Ele titubeia, tem dúvidas e medos, mas se a pessoa REALMENTE gostar, ela volta. Nada de drama. Que graça tem alguém do seu lado sob pressão? O legal é alguém que está com você, só por você. E vice-versa.
Não fique com alguém por pena. Ou por medo da solidão.
Nascemos sós. Morremos sós. Nosso pensamento é nosso, não é compartilhado.
E quando você acorda, a primeira impressão é sempre sua, seu olhar, seu pensamento.
Tem gente que pula de um romance para o outro. Que medo é este de se ver só, na sua própria companhia?
Gostar dói.
Muitas vezes você vai sentir raiva, ciúmes, ódio, frustração… Faz parte. Você convive com outro ser, um outro mundo, um outro universo.
E nem sempre as coisas são como você gostaria que fosse…
A pior coisa é gente que tem medo de se envolver.
Se alguém vier com este papo, corra, afinal você não é terapeuta.
Se não quer se envolver, namore uma planta. É mais previsível.
Na vida e no amor, não temos garantias.. Nem toda pessoa que te convida para sair é para casar.
Nem todo beijo é para romancear. E nem todo sexo bom é para descartar… Ou se apaixonar… Ou se culpar….
Enfim…. quem disse que ser adulto é fácil?

Arnaldo Jabor

Tela: Klimt

domingo, 19 de setembro de 2010

TENHA BONS SONHOS...


A poesia dói! Olhar o Mundo sem máscaras, véus ou óculos de proteção faz doer não só a retina, mas o senso estético da verdade aflita guardada ou esquecida em fundos falsos de caixas de madeira carcomidas por cupim ou pelos sorrisos sarcásticos, matreiros desses seres medonhos a serviço do blefe.

A poesia é um paradoxo. Ao mesmo tempo em que salva da morte anunciada e prematura, atira-nos no abismo da insanidade. Amar é o ápice da loucura. Quem já se permitiu amar um dia sabe a insensatez que o amor traz em sua compleição. Jung já dizia que amamos aquilo que nos falta. Será talvez por isso que eu ame tanto a mentira velada, mascarada ou até escancarada na alma do outro? Pauto minha vida pela verdade e nela assento minha existência, mas sinto atração fatal pela mentira que o outro me mostra.

Ou talvez o que chamo verdade também seja mentira. Quem sou eu? Quem é essa tal de Lou Albergaria? Existe mesmo tal pessoa? Ou trata-se apenas de mais uma persona...non grata, naturalmente. Ou talvez só mais um login. Digite a senha, por favor, depois aperte a válvula da descarga...

Estou cansada de tantas válvulas de escape. Desisti de escapar de mim. Encarar o nada é necessário. Os espaços vazios que criei entre mim e eu mesma. O vazio que preenche minhas entrelinhas e pesam mais de uma tonelada de algodão bem fino e macio, seco ao sol do meio-dia escaldante e escalpelante feito a conversa entre dois poetas.

É tão estranho ouvir um poeta. As palavras açoitam mais do que sopram e mesmo assim amamos a mentira que ele nos conta.

O poeta menos cáustico tenta apaziguar o caos, dourar a pílula, chupar a pastilha antes para retirar o maior ardido. Depois entrega a pastilha chupada pra humanidade acabar de se fartar.

Mas o poeta depravado e sacana engole a pastilha inteira e só depois de defecá-la oferece o banquete aos homens de boa fé que se lambuzam na pílula dourada da merda do poeta. Refastelam-se, embriagam-se e depois vão fazer a sesta. Descansar para acordar bem cedo no outro dia e começar mais uma vez uma nova semana.

Amanhã é segunda-feira, não se esqueçam. Boa sesta a todos vocês! E bons sonhos!

sábado, 11 de setembro de 2010

NÃO VOU!


Hoje eu não vou!
Não vou mais acordar
levantar da cama
passar pelo banheiro
tomar banho, escovar os dentes
Deixar bem limpas todas as obrigações do dia
reluzentes e atraentes
o massacrante cotidiano
que o Sistema me impõe e não convence.
Hoje não vou ao trabalho
ganhar dinheiro para o patrão
e poder pagar minhas poucas contas
que não dão mais conta
de um existir de tão pouca monta
sem maiores grandes atrações.
Hoje eu quero mudar a minha história
fazer diferente o que já virou rotina
O beijo que um dia foi ardente,
hoje arde mais que estricnina.
Vou tentar refazer o caminho
escolher mais uma vez um novo desvio
inventar talvez outro rumo
menos plausível e coerente
também menos seguro, e
de algumas poucas curvas
quero reinventar a roda
Outra órbita para redefinir o Meu Mundo.
Necessito o caminho sem volta
não seguido ainda, pouco penetrado
abusado, incontido.
Quero a demência do existir sem padrões!
As mãos amarradas, postas em oração,
a febre da heresia fala mais alto
nessa sagrada hora sem ares de devoção.
Quero antes a excomunhão
dos jubilados e execrados,
aqueles que perderam não só a viagem
mas a passividade de somente acreditarem
no ponto de partida e no ponto da chegada
sem olhos para apreciarem e aprenderem com a paisagem...
Sonhei e desejei todos os amores possíveis e perecíveis
sobraram-me os intangíveis
tocados apenas por quem já não sou mais.

Lou Albergaria
in O Cogumelo que Nasce na bosta da Vaca Profana


Foto: Lou Albergaria



segunda-feira, 6 de setembro de 2010

GANHEI CORAGEM por Rubem Alves




"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece", observou Nietzsche.

É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo.

Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora em que a coragem chega:

"Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos". Tardiamente. Na velhice.

Como estou velho, ganhei coragem.

Vou dizer aquilo sobre o que me calei: "O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo.

Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo.

Não sei se foi bom negócio; o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de TV que o povo prefere.

A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos.

Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.

Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.

E a história do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava! Mas ela tinha outras ideias. Amava a prostituição.

Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão.

Até que ela o abandonou.

Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos. E o que foi que viu? Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: "Agora você será minha para sempre." Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus.

Deus era o amante apaixonado.

O povo era a prostituta.

Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.

O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces; a verdade é amarga.

Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!

As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo.

O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.

Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro "O Homem Moral e a Sociedade Imoral" observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.
São seres morais. Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem.

Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas.

Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo tornam-se capazes dos atos mais cruéis.

Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.

Indivíduos são seres morais.

Mas o povo não é moral.

O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.

Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.

Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão.

Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras.

O povo não pensa.

Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade.

Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.

Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.

Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.

O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer.

O povo, unido, jamais será vencido!

Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.
Mas, que posso fazer? Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio; não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol.

Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno", à semelhança do que aconteceu na China.

De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.

Mas, para que esse acontecimento raro aconteça, é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: - "Caminhando e cantando e seguindo a canção..."

Isso é tarefa para os artistas e educadores.

O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.

Rubem Alves

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Recebi esse texto por email da linda amiga LOBA AZUL e fiquei tentada a postá-lo, pois incita inúmeras REFLEXÕES, embora não tenha concordado INTEIRAMENTE com ele.
Creio e DEFENDO que a população menos favorecida econômica , social e culturalmente tenha o direito de manifestar seus desejos e gostos particulares.

Sinceramente, não comungo da ideia de que Bach é mais sublime que o FUNK tocado nas favelas. Penso que são duas categorias de Arte distintas e que retratam os anseios de determinado extrato da população. Entretanto, não ousaria considerar A Arte mais elitista e aristocrática como sendo MELHOR que a Arte mais popular.

Sei que meu professor de Filosofia da Arte entraria em cólicas ao ler isso. Logo ele, um defensor e catedrático dos ensinamentos de ADORNO que é um pensador que delimita com precisão a ARTE considerada SUBLIME da arte menor, abraçada pelo gosto popular.

Infelizmente, AINDA não possuo conhecimento acadêmico suficiente para refutar com tenacidade essa assertiva, mas MINHA INTUIÇÃO E ESPÍRITO LIVRE sopram em minha alma que há um certo PRECONCEITO CULTURAL que envolve tal abordagem.

Eu, como feroz defensora da DEMOCRACIA em todos os níveis, abstenho-me a apenas REFLETIR sobre essas questões levantadas pelo extraordinário RUBEM ALVES, ainda que tenha sentido e percebido em seu texto uma certa impaciência com a Arte e atitudes eminentemente populares.

Penso que uma NAÇÃO se forma com ideias e livros, sim, concordo, mas também com a liberdade de expressão e a vontade de contar sua história a partir dos recursos disponíveis.

Recuso-me a ser mais uma "intelectualóide" ou mesmo uma intelectual que defende OS CLÁSSICOS acima da realidade do próprio povo.

Creio ser necessário analisar todas as questões levantadas sob uma ótica mais tolerante e compromissada sobretudo com a LIBERDADE. SEMPRE.

Lou Albergaria
Neste mini-documentário sobre a Cultura Popular Brasileira há um trecho em que o próprio RUBEM ALVES defende nossa cultura popular e depois escreve o texto acima, colocando em xeque o gosto popular. Estranho...Vai entender o ser humano... Ele diz que atingiu a maturidade intelectual e, por isso, consegue enxergar melhor o que já sabia. Não sei. Prefiro manter o olhar turvo, então, e defender sempre a liberdade. Vamos Refletir....


“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu"


Darcy Ribeiro

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

DO AMOR E OUTROS DEMÔNIOS...


O título deste post também intitula um inesquecível livro do Gabo – Meu delicioso García Márquez – que conta a história de um jovem padre chamado para arrancar o “diabo” do corpo de uma mocinha de seus 13 anos, cujo cabelo não parava de crescer e já se arrastava até os pés, mas nada conseguia fazer essas melenas (símbolo de sedução e voluptuosidade) pararem de roçar o chão.

Gabo adora essas ninfetas de 13 anos, impressionante. Também em MEMÓRIA DE MINHAS PUTAS TRISTES aparece a Delgadina, uma moça próxima de 13 anos, a virgenzinha predestinada ao protagonista do livro: o velho senhor que acaba de completar 90 anos que quer se dar de presente de aniversário uma noite de sexo louco com uma virgem. Entretanto, o destino lhe prega uma peça que o faz ‘cair de quatro’ literalmente pela moça, e se apaixonar enlouquecidamente por ela, a ponto de quebrar todo o quarto do puteiro em que estavam, totalmente enfurecido pela cólera dos ciúmes, diante de uma possível traição que nem sequer houve.

Que porra de sentimento é esse que nos arrebata e nos aprisiona em uma bolha claustrofóbica e nos leva a cometer os maiores desatinos em nossas vidas?!
No primeiro livro, o coitado do padre é obrigado a enfrentar toda sorte de provações para conseguir viver aquele amor e nem consegue alcançar um ‘final feliz’.

No segundo livro, pelo menos, fica aquela expectativa no ar e nas aspirações dos leitores mais desvanecidos: será que eles conseguirão viver aquele amor? Ao que Rosa Cabarcas, a dona do puteiro, morrendo de rir, responde ao velho senhor de 90 anos e a nós leitores na última página do livro:

“Ai, meu velho sábio triste, está bem que você esteja velho, mas não idiota. Essa pobre criatura está zonza de amor por você”, referindo-se à menina Delgadina.

Resolvi hoje escrever sobre ‘o amor e seus demônios’... Por que?! Sei lá, por que. Talvez porque seja o que de mais sinta falta na vida. Os demônios, obviamente. Amor é o que mais transborda em mim e até me denuncia antes mesmo de eu chegar perto.

Sinto mesmo que faltam ‘os demônios’: hipocrisia, senso de manipulação e espírito de jogatina na hora do blefe de um bom jogador ou ‘amante profissional’, tanto faz, pois tomo ambos como sinônimos. Um bom amante conquistador e sedutor, antes de tudo, deve ser um bom jogador. Aprende-se isso desde cedo, por volta dos 13 talvez. Saber manipular as carências, desejos e anseios do outro é uma arte. E uma arte primorosa que deve ser curtida como um bom doce de figo para que fique macio, tenro, delicioso na medida certa: sem faltar açúcar e nem açucarado demais para não enjoar antes mesmo de ser levado à boca.

Todos os dias acordo com uma apreensão estranha: serei capaz hoje de fazer um poema? Serei capaz hoje de amar? Mesmo que seja um mau poema e um mau amor. Até os maus poemas são difíceis de serem paridos, quando sinceros, porque todo parto implica dor e morte de alguma forma. Para um poema nascer, o poeta morre um pouco em sua dor. É como um nervo exposto de um dente obscenamente cariado. Ou morte da placenta, no mínimo. Depois vêm as mortes subjacentes. Morte da rima, do ritmo, do verso, do sentimento que o gerou e depois o sentimento que o matou, pois um poema não pode ser infindável. Infinito, sim. Infindável, nunca. A vida não é eterna, então o poema também não pode ser, pois este nada mais é que a própria vida em versos. Às vezes bons versos; outras nem tanto assim. Aliás, como a própria vida: às vezes, incríveis momentos, às vezes péssimos momentos. E assim como nasce e morre o poema, também nasce e morre o amor. Para daí a pouco nascer novamente um outro poema e um novo amor. C’EST LA VIE! Ou como diria Fellini: A VIDA É SONHO!

Não sei se a vida é sonho, mas sei que faltam alguns ’demônios’ para ela ser completa, plena. Falta saber jogar ‘xadrez ou pôquer’ durante a conquista amorosa. Será também durante a feitura ou parto de um poema? Há poemas que são verdadeiras obras cerebrais, mas absolutamente ocos por dentro; não encontramos o sangue do poeta nos versos. Da mesma forma há amores também absurdamente ocos, inócuos, vazios, não conseguem se manter de pé por muito tempo e, nem por pouco tempo, o que já seria por si só um luxo.
Pessoas que suportam extrema dor são perigosas porque não se contentam com pouco - uma vida calma e simples amalgamada à rotina -. Quem necessita o êxtase não sabe viver sem amor e poesia ( os de verdade naturalmente, aqueles que sangram mesmo, delatam e dilaceram a própria existência), mas sobretudo, sem os demônios. Esses são absolutamente imprescindíveis. Qualquer que seja ele.
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Texto postado também para o FÁBRICA DE LETRAS. É só clicarem no título para lerem mais textos e poemas de outros autores com tema livre para o DESAFIO SET/2010.