" (...)
Cantando amor, os poetas na noite
Repensam a tarefa de pensar o mundo.
E podeis crer que há muito mais vigor
No lirismo aparente
No amante Fazedor da palavra

Do que na mão que esmaga."

Hilda Hilst

Se gostou, volte sempre!!!!

domingo, 12 de dezembro de 2010

"...CONTINUAR O QUÊ?"


Na última sexta-feira, meio que por acaso, entrei no blog do Gerald Thomas - renomado diretor de teatro e dramaturgo no Brasil, bem como nos EUA e Europa - sobretudo, por há três décadas ter feito um teatro preocupado não somente em encenar peças clássicas ou modernas, mas destacou-se muito mais pela BUSCA por uma nova linguagem para a dramaturgia. Por conta disso, óbvio, sempre foi uma personalidade controvertida e polêmica. Até que em setembro de 2009 decretou sua 'falência pessoal' enquanto ser humano e artista, escrevendo um MANIFESTO que publicou em seu blog explicando as razões que o faziam naquele momento não acreditar mais em si mesmo e nem na ARTE.

Claro que um texto dessa natureza instigou-me de forma arrebatadora. Nele, Gerald Thomas questina a si mesmo através da arte e vice-versa. Logo no início ele escreve:

'Transformar o mundo: acordar todos os dias e transformar o mundo', dizia a voz de Julian Beck (quem eu dirigi e com quem aprendi tanta coisa). Eu tinha uma vaga noção das coisas. Não encontro mais nenhuma. Eu tinha uma fantasia. Não a encontro mais. Só encontro aquele auto-retrato de Rembrandt me olhando, ele aos 55, eu aos 55, um num tempo, o outro no outro, como se um quisesse dizer pro outro: o TEU 'renascentismo' acabou: Você morreu. Morri?

I can’t go on. And I won’t go on.

Beckett, que é o meu universo mais próximo, diria 'but I’ll go on'. Sim, existia uma necessidade de se continuar. Mas olho em volta e me pergunto: Continuar o quê? Não há muito o que continuar. (...)"

A partir dessa reflexão ele vai traçando os argumentos que ratificam sua opção pelo afastamento dos palcos, estejam eles em qualquer lugar, sejam em países de primeiro mundo, sejam em paises em desenvolvimento como o Brasil. O fato é que ele se mostrou bastante ESGOTADO e INDIGNADO com os rumos que a ARTE veio tomando nas últimas décadas no planeta (Felizmente, pra ele, não é só em nosso país que a carniça começou a feder, menos mal para nós brasileiros, creio eu).

O transgressor dramaturgo e diretor apontou a TECNOLOGIA desses novos tempos como sendo um dos motivos de seu desencantamento com o teatro e as artes. Ele até diz textualmente: "também não estou afim de criar o iTheatro." E estabelece uma relação bastante estreita entre alta tecnologia e decadência nas artes, sobretudo no teatro, afirmando que hoje percebe-se uma crise de criatividade generalizada. Não pude discordar dele. Verdadeiramente, nas últimas duas décadas temos presenciado uma CRISE DE ABSTINÊNCIA CRIATIVA, eu diria. A maior prova disso são as infindáveis regravações - remakes, como queiram - de antigos e eternos sucessos que vão desde o Cinema, passam pela música, a televisão com suas fórmulas ancestrais de garantir o sucesso de audiência, o teatro que opta pela forma clássica de apresentar os textos, pois implica menos riscos comerciais, as editoras que preferem lançar ANTOLOGIAS de escritores consagrados a buscarem novos autores e investirem em sua divulgação, pois aumenta os custos; e, claro, apostarem nos grandes "filões" de best-sellers - leitura fácil e prazerosa - que garante entretenimento sem maiores contestações do ser humano e a si mesmo e à sociedade na qual está inserido, até chegarmos ao 'topo' das artes que são as artes plásticas. Aí o bicho pega! Pois são raríssimas as pessoas que VERDADEIRAMENTE conseguem diferenciar uma grande pintura de um singelo artesanato. Alguém para fazer essa diferenciação com segurança requer muita informação e cultura em história da arte o que, definitivamente, não está ao alcance de qualquer cidadão, até mesmo daqueles que possuem acesso às melhores escolas. Sempre dependemos da opinião de um crítico especializado para sabermos se tal 'artista' é mesmo bom ou não passa de um mero artífice.

Lembro-me agora de um conto que li semana passada da Lygia Fagundes Telles intitulado SAUNA, em que o personagem central do conto é um grande artista plástico que depois de mais ou menos vinte anos de sucesso e aclamação da crítica especializada e do público - que vai na onda da crítica, pois sozinho não tem mesmo condições de diferenciar um Van Gogh de um Basquiat - encontra-se em absoluta crise de identidade artística. Em um dado momento da extraordinária narrativa de Lygia esse artista diz: basta a minha assinatura. Ninguém entende nada, mas mesmo assim pagam milhões por um quadro medíocre meu, pois não consigo mais criar. Simplesmente venho repetindo há anos a mesma fórmula de sempre e eles não percebem e, se percebem, não se importam com isso. Mas o personagem parecia bastante preocupado, pois sofria por conta disso. Um artista que no início era absolutamente genial e depois transforma-se em um blefe, ainda que milionário e vendendo muitos quadros para a alta burguesia.

É mesmo bastante difícil compreender a Arte. Por isso, é tão mais cômodo lançar aquela velha e surrada frase: "arte não é pra ser compreendida; arte é para ser sobretudo sentida na alma..." Eu mesma já lancei mão dessa frase (mea culpa, mea maxima culpa....) muito mais vezes do que desejaria.

Nessa madrugada mesmo, assistindo ao programa ALTAS HORAS do Serginho Groissman - um comunicador que admiro muito - em que estavam Ivete Sangalo e Rodrigo Santoro, vi-me mais uma vez diante dessa dicotomia: arte é para ser também compreendida ou somente senti-la basta? Depois fui dormir e não assisti ao restante do programa que ainda traria mais convidados. Entretanto, só assisti a essa primeira parte - que teve a participação rápida também de uma sexóloga, respondendo algumas perguntas da plateia -. Mas o que mais me chamou a atenção é que a nossa RAINHA DO POP NACIONAL - Ivete Sangalo - apesar de possuir uma voz deliciosamente belíssima apresenta um repertório sofrível (para não dizer algo mais deselegante), pois gosto muito dela; é uma cantora de um carisma incrível, um astral sempre alto e contagiante com sua alegria, no entanto, canta canções com arranjos fantásticos, mas letras indecentes de tão medíocres.

Na mesma hora, ou melhor, alta hora, estabeleci uma ponte com o texto-Manifesto do Thomas. A arte vem se empobrecendo cada vez mais com o passar do tempo. É algo que impressiona e ao mesmo tempo constrange a quem ama a arte verdadeiramente, mas sobretudo, àqueles que conseguem compreendê-la e não apenas sentí-la. Parece arrogante essa constatação, não é? Mas a verdade é mesmo muito arrogante. Quando Adorno, por exemplo, escreve "'arte popular' não é arte" é bastante arrogante. Uma arrogância que eu mesma contestei algumas vezes, mas depois de começar a prestar um pouco mais de atenção à 'arte popular' percebi certa coerência em seus argumentos e ontem ao prestar ainda mais atenção às letras cantadas por nossa RAINHA DO POP aí que Adorno tornou-se mais coerente pra mim, ainda que dôa um pouco nessa alma libertária admitir o elitismo da arte. Mas realmente é incomparável uma letra cantada por Ivete com uma canção cantada por Bethânia, por exemplo (percebam que mantive a analogia no território baiano para não envolver mais variáveis na análise). Mas sei qual é a pergunta que não quer calar: "Podemos comparar dois ESTILOS completamente distintos?" Vamos partir da premissa que não - hoje estou realmente boazinha - mesmo assim, se comparamos então o tal AXÉ - gênero musical, ao invés de comparar a cantora -com outros estilos (gêneros musicais) aí é que a carniça fede ainda mais. (boazinha, hein?!!!)

Compreendo o desalento do Thomas, principalmente quando vou às livrarias e ao invés de me deparar com os grandes escritores da humanidade, sempre nos stand's frontais, estão os VAMPIROS lá todos expostos nas capas a verter sangue. É desalentador mesmo que pode até levar a uma forte depressão, como parece ter ocorrido com o dramaturgo e diretor ao qual faço referência.

O grande artista precisa sempre de um bom e relevante motivo para continuar. "...mas continuar o quê?"

Será que a bosta é pop porque pop é a bosta?!


Lou Albergaria

Em tempo: Confesso que fico absolutamente perdida quando vou à alguma galeria de artes plásticas. Também NÃO SEI diferenciar arte de artesanato. Mas quero muito aprender e penso que o primeiro passo é RECONHECER a própria ignorância e não ter medo jamais da verdade, ainda que esta possa ser SEMPRE refutada e questionada.

Sou uma mera artesã da palavra, mas não tenho medo ou preguiça de pensar...


LINK para o MANIFESTO DE GERALD THOMAS:


http://geraldthomasblog.wordpress.com/manifesto/


Recomendo que vasculhem o blog dele como um todo, pois há coisas extraordinárias: vídeos, entrevistas, textos, links, enfim, arte da melhor qualidade. E contestação que, em minha opinião, é a mais bela face da arte.

Abaixo uma cena absolutamente genial do grande Beckett, citado por Thomas em seu Manifesto, em ESPERANDO GODOT:




"PENSAR É TRANSGREDIR!"

Lya Luft

Tela: Rembrandt

2 comentários:

  1. Lou, eu gosto de ser uma artesã da palavra, penso que isso seja muito bom... limar, polir, arrancar efeitos da palavra e bom ter tua reflexão sobre arte, e ao te ler, me pergunto: para que serve a arte, para quem serve a arte?

    Pensar é transgredir sim, e para que isso aconteça deve haver o diálogo, há os que pensam que pensam sozinhos, mas...

    Um beijo e boa semana.

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  2. Lou

    é um prazer ler o teu blogue. Sobretudo estas análises filosóficas.

    Com relação ao tema, o que tenho a dizer é o seguinte.

    Primeiro, que todo artista busca resposta pra essa questão do Gerald: por que continuar? Haverá razão?

    A pergunta em si é o caminho pra seguir. Como canta a Ana Carolina: "minha procura por si só já era o que eu queria achar"

    Por falar em música, Ivete e Bethânia são estrelas de grandezas distintas, mas brilham, são de uma mesma constelação.

    Não faço distinção entre erudito e popular. Tampouco baseio o meu gosto em mandamentos dos críticos.

    Nesse sentido sou simples: ou gosto ou não gosto.

    E acredito na máxima segundo a qual o tempo mostra tudo. Inclusive o que permanece e o que será esquecido.

    Penso assim em relação a produção artística. Embora assista também apreensivo não o esgotamento da criatividade, mas o esvaziamento da divulgação artística.

    Um beijo.

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