" (...)
Cantando amor, os poetas na noite
Repensam a tarefa de pensar o mundo.
E podeis crer que há muito mais vigor
No lirismo aparente
No amante Fazedor da palavra

Do que na mão que esmaga."

Hilda Hilst

Se gostou, volte sempre!!!!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A SORDIDEZ HUMANA por Lya Luft


"Que lado nosso é esse, feliz diante da desgraça
alheia? Quem é esse em nós, que ri quando
o outro cai na calçada?"

Ando refletindo sobre nossa capacidade para o mal, a sordidez, a humilhação do outro. A tendência para a morte, não para a vida. Para a destruição, não para a criação. Para a mediocridade confortável, não para a audácia e o fervor que podem ser produtivos. Para a violência demente, não para a conciliação e a humanidade. E vi que isso daria livros e mais livros: se um santo filósofo disse que o ser humano é um anjo montado num porco, eu diria que o porco é desproporcionalmente grande para tal anjo.

Que lado nosso é esse, feliz diante da desgraça alheia? Quem é esse em nós (eu não consigo fazer isso, mas nem por essa razão sou santa), que ri quando o outro cai na calçada? Quem é esse que aguarda a gafe alheia para se divertir? Ou se o outro é traído pela pessoa amada ainda aumenta o conto, exagera, e espalha isso aos quatro ventos – talvez correndo para consolar falsamente o atingido?

O que é essa coisa em nós, que dá mais ouvidos ao comentário maligno do que ao elogio, que sofre com o sucesso alheio e corre para cortar a cabeça de qualquer um, sobretudo próximo, que se destacar um pouco que seja da mediocridade geral? Quem é essa criatura em nós que não tem partido nem conhece lealdade, que ri dos honrados, debocha dos fiéis, mente e inventa para manchar a honra de alguém que está trabalhando pelo bem? Desgostamos tanto do outro que não lhe admitimos a alegria, algum tipo de sucesso ou reconhecimento? Quantas vezes ouvimos comentários como: "Ah, sim, ele tem uma mulher carinhosa, mas eu já soube que ele continua muito galinha". Ou: "Ela conseguiu um bom emprego, deve estar saindo com o chefe ou um assessor dele". Mais ainda: "O filho deles passou de primeira no vestibular, mas parece que...". Outras pérolas: "Ela é bem bonita, mas quanto preenchimento, Botox e quanta lipo...".

Detestamos o bem do outro. O porco em nós exulta e sufoca o anjo, quando conseguimos despertar sobre alguém suspeitas e desconfianças, lançar alguma calúnia ou requentar calúnias que já estavam esquecidas: mas como pode o outro se dar bem, ver seu trabalho reconhecido, ter admiração e aplauso, quando nos refocilamos na nossa nulidade? Nada disso! Queremos provocar sangue, cheirar fezes, causar medo, queremos a fogueira.

Não todos nem sempre. Mas que em nós espreita esse monstro inimaginável e poderoso, ou simplesmente medíocre e covarde, como é a maioria de nós, ah!, espreita. Afia as unhas, palita os dentes, sacode o comprido rabo, ajeita os chifres, lustra os cascos e, quando pode, dá seu bote. Ainda que seja um comentário aparentemente simples e inócuo, uma pequena lembrança pérfida, como dizer "Ah! sim, ele é um médico brilhante, um advogado competente, um político honrado, uma empresária capaz, uma boa mulher, mas eu soube que...", e aí se lança o malcheiroso petardo.

Isso vai bem mais longe do que calúnias e maledicências. Reside e se manifesta explicitamente no assassino que se imola para matar dezenas de inocentes num templo, incluindo entre as vítimas mulheres e crianças... e se dirá que é por idealismo, pela fé, porque seu Deus quis assim, porque terá em compensação o paraíso para si e seus descendentes. É o que acontece tanto no ladrão de tênis quanto no violador de meninas, e no rapaz drogado (ou não) que, para roubar 20 reais ou um celular, mata uma jovem grávida ou um estudante mal saído da adolescência, liquida a pauladas um casal de velhinhos, invade casas e extermina famílias inteiras que dormem.

A sordidez e a morte cochilam em nós, e nem todos conseguem domesticar isso. Ninguém me diga que o criminoso agiu apenas movido pelas circunstâncias, de resto é uma boa pessoa. Ninguém me diga que o caluniador é um bom pai, um filho amoroso, um profissional honesto, e apenas exala seu mortal veneno porque busca a verdade. Ninguém me diga que somos bonzinhos, e só por acaso lançamos o tiro fatal, feito de aço ou expresso em palavras. Ele nasce desse traço de perversão e sordidez que anima o porco, violento ou covarde, e faz chorar o anjo dentro de nós.


Lya Luft



5 comentários:

  1. Lou, perfeito Lya, esse é um traço nosso, humano,selvagem, nenhum de nós é desprovido desse porco e quando ele grita mais alto, poucos são os anjos que choram.

    Adorei a postagem!

    Bjão

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  2. Lou, que boa reflexão, como necessitamos conversar com a besta que nos habita, como precisamos despertar em nós mesmo o que não gostamos dos outros, como está em nós este apesar de... essa adversidade que nos ausenta de sermos o sujeito da própria história.

    Um beijo grande e gracias por me recordar que devemos seguir em busca de anunciar os nosso 10% por cento, enquanto trabalhamos duro para transformar os 90% em desajustes.

    Carmen.

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  3. O texto da Lya é reflexivo...
    e lamentávelmente muitos de nós temos mais aflorado o lado ruim o que é péssimo...
    e o certo é procurar dominar o lado ruim e procurar fazer o bem e amar ao próximo mais e mais...
    fazer o bem é tão bom, quando fazemos ele se reflete de maneira boa principalmente para nós mesmos...
    Belo texto amiga
    linda música tb

    Vim lhe desejar bom final de semana e deixar uma mensagem...

    O Natal simboliza nova vida,
    Pois nele comemoramos o nascimento do Homem
    Que modificou a nossa maneira de ver o mundo.
    Trazendo-nos amor e esperança.
    Que neste natal sejam confraternizados todos os desejos
    De um mundo melhor.
    Que Deus lhe abençoe trazendo saúde, alegria e realizações.
    Feliz Natal e um Próspero Ano Novo!

    São os votos de GabyShiffer

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. "Para os puros tudo é puro,assim falava o povo. Mas eu vos digo: para os porcos tudo é porco".
    Peguei emprestado essa citação d'um bigodudo transformador para comentar esse post. Gosto desse escarnecimento sobre as ações humanas. Creio que só assim, nas vísceras, algumas pessoas possam sentir cutucadas, pois apenas nos ouvidos e nos olhos a ação é inoperante.
    Admiro aquele(a)que ao ser temido pelo troco, vira-se para o seu agressor e diz: "relaxe... o monstro que mora em mim, não está dando a mínima pra você".
    Quando você não está afim de arrasar por si só, resolve buscar em alguém uma bomba para detonar.
    Beleza de texto, Lú!
    Bjss!

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