" (...)
Cantando amor, os poetas na noite
Repensam a tarefa de pensar o mundo.
E podeis crer que há muito mais vigor
No lirismo aparente
No amante Fazedor da palavra

Do que na mão que esmaga."

Hilda Hilst

Se gostou, volte sempre!!!!

quinta-feira, 30 de junho de 2011

OSSOS DO ARTIFÍCIO: Crônicas urbanas





OLHAR SEMPRE O PRÓPRIO UMBIGO DÁ MEDO...

Direcionar o olhar pra cidade a fim de fazer uma crônica é como sair de dentro de mim e vaguear acima do próprio corpo – tornar-me apenas um espectro ou alma, como queiram – para somente observar pessoas e comportamentos; o que não me isenta em absoluto de eu mesma ser também objeto da minha própria observação. O meu olhar é devorador e incisivo e nem eu escapo de mim, estejam certos.

Às vezes, meu umbigo dói e eu não sei bem porquê. Dizem que ovo duro e banana podem provocar esse desconforto bem no centro do corpo. Talvez, sim; não discuto com a medicina popular. Não raras as vezes ela acerta mais do que renomados doutores. Vai lá saber.

Meu umbigo, entretanto, dói independente do que tenha comido no dia ou na véspera. Confesso que não sou muito chegada em ovo cozido e nem em banana, aliás fruta passou longe do meu cardápio. Sou o melhor exemplo de alimentação não-saudável. Guardo essa rebeldia intrínseca de quem ama burlar as normas pré-estabelecidas. Vai ver por isso estou sempre em pé de guerra com o status quo. E com a balança, é claro. Não só esta que pesa nossos quilos no corpo, mas também as que ponderam nossos quilos na alma.

E fico sempre com essa sensação indigesta de que quanto mais fixo o olhar em meu próprio umbigo, mais minha alma infla e começa a flutuar alguns palmos acima da minha cabeça. É uma sensação bastante incômoda: o descompasso entre corpo e alma. O desejo acima das necessidades e satisfações do ser.

Vivo em uma cidade que morre de medo. Como qualquer outra metrópole do planeta, seja na América do Sul ou na Ásia. O medo está catalogado no código genético do homem urbano. Raro encontrar alguém que ainda não tenha manifestado tal propriedade. Ou impropriedade.

Viver numa grande metrópole implica riscos. E ninguém está salvaguardado, infelizmente. Todos na chuva e bem molhados, ainda que dentro de belas mansões ou carros importados. O medo é muito democrático e socialista, quem diria! Sente medo quem está neste instante numa Lan House no alto do Morro do Cantagalo no Rio de Janeiro, como quem se encontra em Beverly Hills na clínica de cirurgia plástica do Dr. Hollywood, almejando a juventude eterna.

É, não tem escapatória. O medo nivela por baixo mesmo. Ou por alto – e se você estiver dentro de uma aeronave rumando para Cancún ou Punta Del Leste com o objetivo de arriscar a sorte num cassino? Sentimos medo em qualquer situação; até quando achamos que estamos numa boa, ‘curtindo a vida adoidado’ também sentimos medo. Um medo inconsciente que não nos paralisa, mas nos deixa arredios, matreiros em relação ao outro e quem sabe até com a gente mesmo.

Sentimos medo de tudo. Barata, rato (argh!!!!), cheque sem fundos, altura, gilete, faca, tesoura, o menino no sinal de trânsito, os pardais do DETRAN para marcarem os infratores, o teclado do PC, palavras que não vêm à cabeça quando precisamos ou aquelas que não saem nem com reza braba, caralho!

Viver é sentir medo. Absurdo é não ter medo ou ter medo do próprio medo. Um dia ouvi de um rapaz muito especial: “é importante sentir medo para que possamos saber quem somos de verdade e assim podermos enfrentar nossos medos.” Ah, como eu tive medo desse cara...uh, lá,lá... Fico pensando: será que ele teve algum medo de mim?

Não há o que temer. Sou tão imortal quanto qualquer ser na cidade neste momento: possuo um umbigo que dói, se não é notado pelo outro. Somos todos assim; eternamente assim. Escravos do ego e do olhar alheio. E como dói quando passamos despercebidos, não é mesmo? Ainda que discretos, gostamos que nossa discrição seja percebida, comentada, enaltecida. Ninguém escapa da imortalidade do ego. Não é um privilégio apenas de Leões e Lobas. Temos um ego imortal que precisa saber de nós. Isso não é bom nem ruim; apenas é. É o fim?

E, daí?! Se é uma característica de todo mundo não deve ser um problema, né! Por exemplo, se todos nascessem com duas cabeças, isso não seria uma anomalia; ou não? Meu Deus, será que somos todos anormais e nem nos damos conta disso? Se todos fazem a coisa errada, ela fica sendo a certa, é isso mesmo?

Ai... Meu umbigo começou a doer de novo... porra.....deve ter sido a banana que comi de sobremesa no almoço... Ah, gente, tô tentando mudar meus hábitos. Nunca é tarde para alterarmos nossa percepção acerca do mundo e de nós mesmos, assim como os comportamentos que o tempo mostra o quanto são inadequados.

Quem tem medo de mudar? Deslocar o foco, a percepção. Tirar o olhar do próprio umbigo e perceber o outro de forma mais afetuosa, menos arrogante ou prepotente. É um bom exercício pra início de milênio, hein! Ôh, se é! Eu que o diga...

Lou Albergaria



***

Com essa crônica inicio hoje uma coluna semanal - por enquanto - aqui no SEMENTE DE AMORA: OSSOS DO ARTIFÍCIO - Crônicas urbanas - em que pretendo escrever sobre o cotidiano nas grandes cidades, mas sobretudo sobre este personagem intrigante e conturbado: o homo urbanus. Esse ser tão fragmentado e repleto de limitações, bem como de infinitas possibilidades de ideias, sentimentos e desejos. 
Escrever sobre ele é escrever sobre mim, sobre você, enfim, todos nós  que sonhamos e fazemos uma grande cidade!

Por favor, sejam condescendentes, afinal de contas, trata-se da primeira crônica. Espero evoluir muito a partir de hoje. Meu principal objetivo é conseguir captar os instantes de humanidade de uma grande metrópole. Um olhar que captura o sentimento que move o ser; que o faz evoluir, amar, odiar, mudar toda sua rota de vida ou mesmo transcender pela arte e pelo afeto.

Conto com vocês! As críticas são muito importantes nesse processo de aprimoramento.

MUITO OBRIGADA pela leitura de todos!

BEIJOS!

3 comentários:

  1. E viva as mudanças!
    Lou, adorei esse novo espaço e sua coragem! Parabéns e boa sorte nessa nova empreitada. Tenho certeza que estará sempre rodeada dos bons amigos.
    Beijo carinhoso.

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  2. Você arrasou...gostei demais Lou.
    Texto excelente.

    abraços

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  3. Lou, amei a urbanidade poética de teu escrito, teu olhar prefura os vãos das cidades, os poros da alma e nos traz aqui para uma césarea, ou m parto a fórceps... temos que desgrudar de nós mesmos e sair por ai a conversar a escrever...e tu o fazes bem, beijos e estar aqui é sempre muito, muito bom.

    Bom final de semana e sempre meu carinho.

    Carmen.

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