" (...)
Cantando amor, os poetas na noite
Repensam a tarefa de pensar o mundo.
E podeis crer que há muito mais vigor
No lirismo aparente
No amante Fazedor da palavra

Do que na mão que esmaga."

Hilda Hilst

Se gostou, volte sempre!!!!

terça-feira, 20 de julho de 2010

A ALMA DO OUTRO



Para que possamos refletir, neste dia tão especial dedicado à AMIZADE, sobre nossas relações afetivas com nossos familiares, amigos, colegas, amores, amantes e afins trouxe um texto da maravilhosa Lya Luft escrito em sua Coluna para a Revista VEJA em 25/04/2007:


Ponto de vista: Lya Luft

A alma do outro

"No relacionamento amoroso, familiar ou amigo
acredito que partilhar a vida com alguém que
valha a pena é enriquecê-la. Permanecer numa
relação desgastada é suicídio emocional, é
desperdício de vida"

"A alma do outro é uma floresta escura", disse o poeta Rainer Maria Rilke, meu único autor de cabeceira.

A vida vai nos ensinando quanto isso é verdade. Pais e filhos, irmãos, amigos e amantes podem conviver décadas a fio, podem ter uma relação intensa, podem se divertir juntos e sofrer juntos, ter gostos parecidos ou complementares, ser interessantes uns para os outros, superar grandes conflitos – mas persiste o lado avesso, o atrás da máscara, que nunca se expõe nem se dissipa.

Nem todos os mal-entendidos, mágoas e brigas se dão porque somos maus, mas por problemas de comunicação. Porque até a morte nos conheceremos pouco, porque não sabemos como agir. Se nem sei direito quem sou, como conhecer melhor o outro, meu pai, meu filho, meu parceiro, meu amigo – e como agir direito?

Neste momento escrevo, como já disse, um livro sobre o silêncio. Começou como um ensaio na linha de O Rio do Meio e Perdas & Ganhos, mas acabou se tornando um romance, em pleno processo de elaboração. Isso me faz refletir mais agudamente sobre a questão da comunicação e sua por vezes dramática dificuldade, pois nos mal-entendidos reside muito sofrimento desnecessário.

Amor e amizade transitam entre esses dois "eus" que se relacionam em harmonia e conflito: afeto, generosidade, atenção, cuidados, desejo de partilhamento ou de vida em comum, vontade de fazer e ser um bem, e de obter do outro o que para a gente é um bem, o complicado respeito ao espaço do outro, formam um campo de batalha e uma ponte. Pontes podem ser precárias, estradas têm buracos, caminhos escondem armadilhas inconscientes que preparamos para nossos próprios passos em direção do outro. O que está mergulhado no inconsciente é nosso maior tesouro e o mais insidioso perigo.

Pensar sobre a incomunicabilidade ou esse espaço dela em todos os relacionamentos significa pensar no silêncio: a palavra que devia ter sido pronunciada, mas ficou fechada na garganta e era hora de falar; o silêncio que não foi erguido no momento exato – e era o momento de calar.

Mas, como escrevi várias vezes, a gente não sabia. É a incomunicabilidade, não por maldade ou jogo de poder, mas por alienação ou simples impossibilidade. Anos depois poderá vir a cobrança: por que naquela hora você não disse isso? Ou: por que naquele momento você disse aquilo?

Relacionar-se é uma aventura, fonte de alegria e risco de desgosto. Na relação defrontam-se personalidades, dialogam neuroses, esgrimem sonhos e reina o desejo de manipular disfarçado de delicadeza, necessidade ou até carinho. Difícil? Difícil sem dúvida, mas sem essa viagem emocional a existência é um deserto sem miragens.

No relacionamento amoroso, familiar ou amigo acredito que partilhar a vida com alguém que valha a pena é enriquecê-la; permanecer numa relação desgastada é suicídio emocional, é desperdício de vida. Entre fixar e romper, o conflito e o medo do erro.

Somos todos pobres humanos, somos todos frágeis e aflitos, todos precisamos amar e ser amados, mas às vezes laços inconscientes enredam nossos passos e fecham nosso coração. A balança tem de ser acionada: prevalecem conflitos ásperos e a hostilidade, ou a ternura e aqueles conflitos que ajudam a crescer e amar melhor, a se conhecer melhor e melhor enxergar o outro? O olhar precisa ser atento: mais coisas negativas ou mais gestos positivos? Mais alegria ou mais sofrimento? Mais esperança ou mais resignação?

Cabe a cada um de nós decidir, e isso exige auto-exame, avaliação. Posso dizer que sempre vale a pena, sobretudo vale a pena apostar quando ainda existe afeto e interesse, quando o outro continua sendo um desafio em lugar de um tédio, e quando, entre pais e filhos, irmãos, amigos ou amantes, continua a disposição de descobrir mais e melhor quem é esse outro, o que deseja, de que precisa, o que pode – o que lhe é possível fazer.

Em certas fases, é preciso matar a cada dia um leão; em outras, estamos num oásis. Não há receitas a não ser abertura, sinceridade, humildade que não é rebaixamento. Além do amor, naturalmente, mas esse às vezes é um luxo, como a alegria, que poucos se permitem.

Seja como for, com alguma sorte e boa vontade a alma do outro pode também ser a doce fonte da vida.


Lya Luft

6 comentários:

  1. Para o Dia do Amigo:

    Ouve!...

    Agradeço de coração, alma boa,
    Tuas palavras de amizade pura;
    A envolver-me nas as horas de amargura
    Com tua mensagem que aperfeiçoa.

    Quando o cimento oculta e me aguilhoa
    Neste limo e de pedra muito dura
    Chegas de mansinho...encontro cura!...
    Como lhe agradecer a verbo que abençoa?

    Com tua mão perfumada esqueço a dor,
    E vivo neste orbe, farto de amor!...
    Como é bom ter o teu ombro cristalino!

    Tua amizade é a luz do meu mundo,
    Com ela perco-me num sonho profundo!...
    Que Deus te abençoe, alma que me ilumina!...

    Machado de Carlos,

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  2. Querida amiga Lou, que maravilha, este teu blog!!! Estou encantada. Andei meio sumida, pois estive viajando e na correria, impossibilitada de passear pelos jardins virtuais... mas venho agradecer pela doçura de tua presença e amizade, e deixar meus beijos pintados e abraços alados para ti. Aproveitarei para linkar este endereço, lá em meu blog.

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  3. Lou adorei estas ideias de Lya Luft. Não conhecia. Seu cantinho está lindo. bjs, Eliete

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  4. Se é sobre amizade que se fala. Veja que tocante este poema do Fernando, que retrata tão bem o que já sabemos nós. A Vida às vezes afasta o que seria impensável. Melhores amigos, que passo a passo, tornam o que seria inquebrantável em algo distante, fugidio...

    "Amigos, ainda…

    Um dia a maioria de nós irá separar-se.
    Sentiremos saudades de todas as conversas
    jogadas fora,
    das descobertas que fizemos, dos sonhos
    que tivemos, dos tantos risos e
    momentos que partilhamos.
    Saudades até dos momentos de lágrimas, da
    angústia, das vésperas dos finais de semana, dos finais de ano, enfim…
    do companheirismo vivido.
    Sempre pensei que as amizades
    continuassem para sempre.
    Hoje não tenho mais tanta certeza disso.
    Em breve cada um vai para seu lado, seja
    pelo destino ou por algum
    desentendimento, segue a sua vida.
    Talvez continuemos a nos encontrar, quem
    sabe…nas cartas que trocaremos.
    Podemos falar ao telefone e dizer algumas
    tolices…
    Aí, os dias vão passar, meses…anos… até
    este contacto se tornar
    cada vez mais raro.
    Vamo-nos perder no tempo….
    Um dia os nossos filhos verão as nossas
    fotografias e perguntarão:
    “Quem são aquelas pessoas?”
    Diremos…que eram nossos amigos e……
    isso vai doer tanto!
    “Foram meus amigos, foi com eles que vivi
    tantos bons anos da minha vida!”
    A saudade vai apertar bem dentro do peito.
    Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes
    novamente……
    Quando o nosso grupo estiver incompleto…
    reunir-nos-emos para um último
    adeus de um amigo.
    E, entre lágrima abraçar-nos-emos.
    Então faremos promessas de nos encontrar
    mais vezes daquele dia em diante.
    Por fim, cada um vai para o seu lado para
    continuar a viver a sua vida,
    isolada do passado.
    E perder-nos-emos no tempo…..
    Por isso, fica aqui um pedido deste humilde
    amigo: não deixes que a vida
    passe em branco, e que pequenas
    adversidades sejam a causa de grandes
    tempestades….
    Eu poderia suportar, embora não sem dor,
    que tivessem morrido todos os
    meus amores, mas enlouqueceria se
    morressem todos os meus amigos!"

    É Vero. Podemos e devemos reverter esta realidade retratada acima.

    Que voltemos o tempo, não para viver o que já foi, não a Viva passa e é deliciosa a cada etapa.

    Mas para tornar Hoje o que já foi real ontem.

    O saudoso gosto de curtir e viver o Melhor amigo. A melhor risada. O melhor momento. Não como lembrança, mas como fato inexorável e atual. Como dia a dia. O amanhã, não o passado relembrado e rememorado.

    Que tal se todos os melhores amigos fugissem do convencional e tornassem a Amizade fato que não se reduz, não se esquece, não se relembra. Viver o hoje, o amanhã, sem perdermos o "fio da meada". Ter Amizade por toda a Vida.

    É difícil? Não sei, que tal experimentar?

    Eu!

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  5. Avalon,

    É um belo poema, sim. Mas é do Vinícius. Adoro quando Vinícius liberta o poema dos sonetos!

    Forte Abraço! Há cicatrizes que demoram a se fechar, se é que fecham algum dia...não sei...

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  6. Tem certeza?

    Eu não tenho.

    Realmente penso que este poema é do fernando pessoa, mais posso errar.

    Existe na net, textos do vinicius com parte deste poema e também nos sites do Fernando temos este mesmo poema. E como nos meus livros do poetinha não tenho este poema, tenho dúvidas.

    De todo jeito. É lindo sim.

    Cicatrizes. Sei não, tem uns que não cicatrizam, outros que nem as vêem de tão imperceptíveis, e outros que sequer sentiram que se feriram, já que tentam tirar o melhor da Vida. Prefiro o último time.

    Enquanto se lambe as feridas (há! não é uma alusão à leoa), às vezes se deixa passar a Vida!

    Mas a liberdade é tudo.

    Pode-se viver a dor, curtir da dor, pensar na dor, ou na melhor hipótese, aquela que eu mais amo: apenas tê-la como parte inerente da Vida e lembrar que o outro e nós mesmos somos humanos, fazer o que? Inquisição Espanhola? Não nada muito barulhento ou virulento, não tem graça.

    E pé na estrada.

    Eu

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