" (...)
Cantando amor, os poetas na noite
Repensam a tarefa de pensar o mundo.
E podeis crer que há muito mais vigor
No lirismo aparente
No amante Fazedor da palavra

Do que na mão que esmaga."

Hilda Hilst

Se gostou, volte sempre!!!!

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

GANHEI CORAGEM por Rubem Alves




"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece", observou Nietzsche.

É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo.

Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora em que a coragem chega:

"Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos". Tardiamente. Na velhice.

Como estou velho, ganhei coragem.

Vou dizer aquilo sobre o que me calei: "O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo.

Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo.

Não sei se foi bom negócio; o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de TV que o povo prefere.

A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos.

Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.

Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.

E a história do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava! Mas ela tinha outras ideias. Amava a prostituição.

Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão.

Até que ela o abandonou.

Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos. E o que foi que viu? Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: "Agora você será minha para sempre." Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus.

Deus era o amante apaixonado.

O povo era a prostituta.

Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.

O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces; a verdade é amarga.

Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!

As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo.

O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.

Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro "O Homem Moral e a Sociedade Imoral" observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.
São seres morais. Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem.

Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas.

Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo tornam-se capazes dos atos mais cruéis.

Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.

Indivíduos são seres morais.

Mas o povo não é moral.

O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.

Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.

Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão.

Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras.

O povo não pensa.

Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade.

Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.

Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.

Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.

O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer.

O povo, unido, jamais será vencido!

Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.
Mas, que posso fazer? Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio; não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol.

Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno", à semelhança do que aconteceu na China.

De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.

Mas, para que esse acontecimento raro aconteça, é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: - "Caminhando e cantando e seguindo a canção..."

Isso é tarefa para os artistas e educadores.

O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.

Rubem Alves

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Recebi esse texto por email da linda amiga LOBA AZUL e fiquei tentada a postá-lo, pois incita inúmeras REFLEXÕES, embora não tenha concordado INTEIRAMENTE com ele.
Creio e DEFENDO que a população menos favorecida econômica , social e culturalmente tenha o direito de manifestar seus desejos e gostos particulares.

Sinceramente, não comungo da ideia de que Bach é mais sublime que o FUNK tocado nas favelas. Penso que são duas categorias de Arte distintas e que retratam os anseios de determinado extrato da população. Entretanto, não ousaria considerar A Arte mais elitista e aristocrática como sendo MELHOR que a Arte mais popular.

Sei que meu professor de Filosofia da Arte entraria em cólicas ao ler isso. Logo ele, um defensor e catedrático dos ensinamentos de ADORNO que é um pensador que delimita com precisão a ARTE considerada SUBLIME da arte menor, abraçada pelo gosto popular.

Infelizmente, AINDA não possuo conhecimento acadêmico suficiente para refutar com tenacidade essa assertiva, mas MINHA INTUIÇÃO E ESPÍRITO LIVRE sopram em minha alma que há um certo PRECONCEITO CULTURAL que envolve tal abordagem.

Eu, como feroz defensora da DEMOCRACIA em todos os níveis, abstenho-me a apenas REFLETIR sobre essas questões levantadas pelo extraordinário RUBEM ALVES, ainda que tenha sentido e percebido em seu texto uma certa impaciência com a Arte e atitudes eminentemente populares.

Penso que uma NAÇÃO se forma com ideias e livros, sim, concordo, mas também com a liberdade de expressão e a vontade de contar sua história a partir dos recursos disponíveis.

Recuso-me a ser mais uma "intelectualóide" ou mesmo uma intelectual que defende OS CLÁSSICOS acima da realidade do próprio povo.

Creio ser necessário analisar todas as questões levantadas sob uma ótica mais tolerante e compromissada sobretudo com a LIBERDADE. SEMPRE.

Lou Albergaria
Neste mini-documentário sobre a Cultura Popular Brasileira há um trecho em que o próprio RUBEM ALVES defende nossa cultura popular e depois escreve o texto acima, colocando em xeque o gosto popular. Estranho...Vai entender o ser humano... Ele diz que atingiu a maturidade intelectual e, por isso, consegue enxergar melhor o que já sabia. Não sei. Prefiro manter o olhar turvo, então, e defender sempre a liberdade. Vamos Refletir....


“Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu"


Darcy Ribeiro

14 comentários:

  1. Excelente post, Lou!
    Li as palavras de Rubem Alves e a seguir o seu comentário (emotivo) às mesmas.
    Não me vou manifestar, apenas dizer que, na questão de fundo, você não discordou dele. Além disso, por mais que se defenda certo conceito, há uma verdade irrefutável: no actual modelo de sociedade, "Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens." E estamos a falar da generalidade, não das excepções.

    Beijo :)

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  2. AC,

    Sua presença só enriquece este espaço para a discussão e debate de ideias;

    Penso que é uma questão terrivelmente polêmica, pois hoje estamos prestes a eleger a sucessora do Lula e não creio que seja meramente por "manipulação de imagens", mas sim porque o poder aquisitivo da população menos favoredida aumentou consideravelmente nos últimos anos, a partir da ampliação do crédito dentre outros benefícios de caráter social.
    Não estou defendendo a Dilma, mesmo porque minha candidata é a Marina Silva, mas penso que a simples manipulação não elege ninguém se as pessoas não enxergarem as vantagens oferecidas de forma concreta.
    Mas é uma boa discussão sem dúvida.

    Beijo!

    Você é sempre muito bem-vindo!

    Obrigada pela opinião!

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  3. Excelente post amiga. Finquei os olhos e só consegui tirá-los no final. Nos faz refletir e muito.
    Bjos achocolatados

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  4. Amada, depois volto com tempo, pois te ler as pressas é um desperdício.
    Ótimo feriado, linda.

    Beijos.

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  5. Concordo contigo e discordo deste intelectualoide como tu mesmo descreveu.

    O cara que deseja que os indivíduos haja em prol de um coletivo? Deuses... Se todos nós agíssemos pelo coletivo nos encarcerariámos como no clipa de música Another Brick in the Wall do Pink Floyd. Seriámos apenas máquinas a serviços de uma lei autoritarísta. Apenas humanos sem ideais e forças de vontades caíndo em um moedor de carne para ser moldado pelos nossos líderes.

    Viva a democracia intelectual, porque no dia em que eu pensar como o coletivo, nossos cérebros funcionarão a base de silício e eletricidade, tal qual um robô.

    LOBAAAAAAAAAAAA... Seu desejo é uma ordem. Caramba... deveria ter vindo aqui antes. Esse blog já tá anotado aos favoritos.

    Beijos do Conde.

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  6. EU SOU UM ATIRADO MESMO.

    E essa necessidade de seguir e ser seguido.

    Basta estar nos meus favoritos e pronto oras. Eu não disse que tava nos meus favoritos? Então acredite oras.

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  7. Rubem Alves não foi "contra-povo" muito pelo contrário, foi uma constantação angustiante na existência do povo, uma pena pelo povo, por ele ser assim. De certeza que Ruben Alves se se candidatasse a um cargo popular, não ganharia. Não obstante, confio mais nas palavras dele que nas "O povo, unido, jamais será vencido!"

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  8. LP,

    O texto do Rubem Alves é realmente muito rico de informação e polêmico.
    Concordei com vários pontos e discordei de alguns.
    Mas continuo acreditando que a população menos favorecida tem o direito de se manifestar.

    Grande abraço!

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  9. Lou concordo com vc, também vou manter o meu olhar turvo e tentar lutar...
    :)
    Parabéns pelo post tá perfeito
    Vim lhe desejar uma linda semana
    Beijos na alma!

    Este o nosso destino: amor sem conta,
    distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
    doação ilimitada a uma completa ingratidão,
    e na concha vazia do amor a procura medrosa,
    paciente, de mais e mais amor.

    Carlos Drummond de Andrade

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  10. Bela assertiva de Rubem Alves. Quanto ao medo, o medo não muda a minha face. Já tive muito medo, mas hoje já não o tenho mais.
    Psicologicamente, as pessoas que nos atacam nos procuram quando não estamos preparados para o ataque. Elas chegam de forma covarde e, naquele momento falta-nos a defesa.
    Entretanto quando estamos preparados para o ataque, geralmente não temos medo. Muita gente morre, justamente por causa do medo.
    Apesar de não estarmos preparados, o desconhecido não me amedronta. Preciso conhecê-lo primeiro.
    Como é bom ler você, aprendemos sempre.

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  11. Quanto ao Vídeo

    Às vezes penso que o Brasil, aos poucos vai perdendo a sua identidade por causa da globalização. Quase tudo não é nosso, desde o momento em que colocaram as empresas nas mãos dos estrangeiros.
    Nós brasileiros não vivemos em uma democracia plena. Haja vista a força da mídia em cima dos cérebros humanos. Tudo o que a televisão faz move uma ação em cima da população. O Marketing está aí. Tudo é marketing.
    O Governo é uma empresa muito rica e coloca em xeque o nome de democracia que querem impor. Vivemos em um país totalmente dominado por idéias Socialistas, pois tudo que gera a economia; uma parte vai para os cofres públicos. Portanto temos um Governo muito rico e um povo pobre. Se o dinheiro somado em impostos fosse usado em educação e Saúde não teríamos um povo doente, cuja felicidade deste povo é ver futebol, carnavais e novelas. Somos manipulados. Com essa monta toda, deveríamos ter Hospitais de primeiro mundo, sem filas; enfim sem doenças.
    Em suma; vivemos entre duas faces do Brasil. O Brasil dos ricos que pertence aos burocráticos e o segundo Brasil do povo ignorante, que irão as urnas votarem em candidatos, quiçá terroristas, lá do passado da era militar.

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  12. Gosto do que Rubem diz a respeito do povo. Corroboro com ele entendendo que a massa é uma prostituta que se vende barato.Contudo, não gosto desse Apartheid cultural,não sou muito adepto a comparações, portanto entendendo a música como uma pulsação que transforma e particulariza o ser, respeito as escolhas mas, faço apenas uma ressalva:gostaria que todos pudessem ter acesso à música de uma forma igualitária. Assim, as escolhas poderiam ser mais justas e as pessoas menos alienadas.
    Bjs.

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  13. Gostei do texto de Rubem Alves e muito mais ainda da sua concepção sobre ele, Lu.

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