" (...)
Cantando amor, os poetas na noite
Repensam a tarefa de pensar o mundo.
E podeis crer que há muito mais vigor
No lirismo aparente
No amante Fazedor da palavra

Do que na mão que esmaga."

Hilda Hilst

Se gostou, volte sempre!!!!

quinta-feira, 4 de março de 2010

O DIA EM QUE ME APAIXONEI POR MADONNA




Em meados da última década do século passado (os patéticos anos 90 em que centenas de milhares de pessoas de inúmeras religiões aguardavam ansiosamente pelo fim do Mundo na Virada de 2000), eu e uma colega que estudava Belas Artes nesse tempo, a Luciana, estáva-mos construindo um presépio para participarmos de um concurso promovido pelo departamento de Artes e Cultura da UFMG a fim de premiarem os 3 melhores presépios daquele Ano-1995-.

Então, imaginem um presépio elaborado e montado por uma filósofa anarquista e uma “belartista”, como a chamava. O resultado só poderia ser muito rock’n’roll na moleira e lisérgico-psicodélico na estrutura, é claro.

Arrumamos uma caixa de papelão enorme, cortamos toda a sua frente, como se fosse para uma apresentação de “teatro de bonecos”.

Na época, trabalhávamos como estagiárias na Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais, no “arquivo morto”, isto é, o setor de Arquivologia e Microfilmagem; todos os funcionários estaduais de educação que se aposentavam, se afastavam do exercício do cargo por qualquer motivo ou faleciam, os processos eram remetidos a esse setor para serem arquivados “ad aeternum” ou até que algum incêndio da DIVINA PROVIDÊNCIA resolvesse acabar com toda aquela papelada – o supremo ícone da burocracia institucionalizada-.

Pois bem, todos os processos vinham com a foto 3X4 do(a) dito(a) cujo(a) que se aposentou, se afastou do cargo ou veio a falecer, então, começamos a retirar essas fotos para colecioná-las. Foi uma febre entre nós, os estagiários mais aloprados, mais ou menos uns três ou quatro; o resto era gente normal.

Não me perguntem por quê. Talvez nem Jesus Cristo se voltasse à Terra pudesse explicar. E nem Freud, se passasse por algum processo “avataresco” e reaparecesse através de algum sonho, creio que também não conseguiria explicar tamanha falta do que fazer.

Então, pegamos as centenas de fotos 3X4 (centenas mesmo) com todos aqueles rostos bem brasileiros, como fizeram apologia os idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, e colamos, uma por uma, dentro da caixa de papelão que seria o invólucro de nosso presépio, o qual representava uma cena do cotidiano – uma família (papai, mamãe e bebezinho recém-nascido) embaixo de um viaduto de uma grande ou média cidade qualquer terceiro ou quarto "mundista" - e todas aquelas centenas de fotos “olhando” para o foco central da cena.

A “belartista” confeccionou os personagens (Jesus, Maria e José), utilizando um material em alumínio que ficou até muito interessante por sinal, lembrava um pouco a armadura de Dom Quixote; aquele aspecto de metal envelhecido, carcomido pelo tempo. E, a apoteose iconoclasta foi a manjedoura: uma lata de coca-cola, aquela vermelha que o mundo inteiro conhece, até na Transilvânia, cortada ao meio de forma longitudinal, abrindo-se um pouco uma parte para cada lado, dando mesmo a impressão de um berço; improvisado, mas um berço.

E por fora da caixa colamos inúmeras reportagens, fotos, artigos, crônicas que mostravam o cotidiano do nosso planeta naquele final de século: violência, drogas, corrupção, terrorismo, guerrilhas, motins em presídios, extermínio de menores de rua da Candelária no RJ, Movimento dos sem-terra, os catadores de lixo dos grandes centros urbanos, os catadores de papel; enfim, um mosaico da realidade cosmopolita e rural naquele momento.

E ao pesquisar em revistas e jornais todo aquele vasto material, deparamo-nos com inúmeras reportagens que apresentavam MADONNA como tema central.

Entretanto, uma dessas reportagens, em especial, chamou-me bastante a atenção em que a última pergunta do repórter a ela foi:

“Se você acordasse um dia e descobrisse que havia se transformado em uma barata, o que você faria?”

Ela simplesmente respondeu:

“Procuraria outros nas mesmas condições que eu, iguais a mim, que com certeza existiriam, e iria me divertir.”

Paixão total, absoluta e irrestrita!!!! Arrebatadoramente sem comentários...

Tô de quatro por essa mulher até hoje, primordialmente por causa dessa resposta ao jornalista (que, por sinal, queria dar um de espertinho, fazendo uma pergunta bastante capciosa); também gosto do seu “pop”, mas sua personalidade e inteligência são o que mais me atiçam. A voz também é bastante singular, mas o repertório não me arrebata tanto, devo admitir. Nesse quesito, sou mais NINA SIMONE, JOAN BAEZ, CAZUZA, MILTON, CÁSSIA ELLER, ANA CAROLINA, JANIS JOPLIN, entre tantos outros...

Podem falar o que quiserem dela: ”ela é puro marketing...”

Prá mim, ela é puro ecstasy!!!

Bom, quanto ao presépio, ficamos em um dos últimos lugares...

O vencedor foi um presépio bem pequenino – minimalista, para usar um termo mais cult – feito em uma tábua de madeira quadrada de aproximadamente 30 cm de lado com uma toalha acolchoada branca revestindo o fundo e por cima uma pasta de creme dental, apoiado verticalmente, com a ponta ligeiramente retorcida para baixo, se não me engano da marca Colgate, que simbolizava José; ao lado, outra pasta de dente em pé, um pouco menor e mais fina,também com a ponta retorcida para baixo, como se estivessem "olhando" devotadamente, representando Maria, imagino, e entre os dois uma saboneteira com um sabonete imaculadamente branco que só podia simbolizar O Cara, né? Ah, e paredes e teto de vidro fechando tudo para dar o formato de caixa, estilizando-a.

Dessa experiência toda tirei dois ensinamentos: primeiro, Madonna é rara e sensacional, pois odeia o sentimento de auto-piedade; segundo, em geral, críticos de arte não apreciam denúncia social, mas adoram andar bem limpinhos, cheirosos e com os dentes muitíssimo bem escovados.

Coitados dos artistas que não são muito asseadinhos...Só tomam na moleira!!!

Ainda bem que o meu banhinho de todo domingo é sagrado...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixa sua SEMENTE aí... Obrigada! BEIJOS!